sábado, março 31, 2007

Algumas características da poesia de Cesário Verde

O Livro de Cesário Verde é uma compilação póstuma de poesias de Cesário Verde escritas entre 1873 e 1886, organizada e posfaciada por Silva Pinto, da qual se fez uma primeira edição, em 1887, para ofertas a amigos do escritor, e uma segunda edição, em 1901, destinada ao público.

A edição princeps de O Livro de Cesário Verde é constituída por vinte e duas composições, repartidas por duas secções, “Crise romanesca" e "Naturais", sem que se saiba se essa divisão obedeceu a indicações do próprio autor ou ao critério do compilador.

Apesar de omitir várias poesias de Cesário contempladas em antologias posteriores, a recolha é representativa das várias tendências convergentes na obra poética do autor.

Baseando-se na representação pictórica e na descrição plástica da realidade, apoiada no predomínio das sensações:

Lavo, refresco, limpo os meus sentidos.
E tangem-me, excitados, sacudidos,
O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto!


Neste aspecto, Cesário aproxima-se do Parnasianismo e do Realismo, superando, todavia, a captação fotográfica do real, através de um processo de recriação poética que opera uma transfiguração do imediato:

Subitamente - que visão de artista ! -
Se eu transformasse os simples vegetais,
À luz do sol, o intenso colorista,
Num ser humano que se mova e exista
Cheio de belas proporções carnais?!
(de "Num bairro moderno").

A estética anti-romântica e naturalista

E eu que medito um livro que exacerbe,
Quisera que o real e a análise mo dessem


patenteia-se nos motivos da mulher soberba e impassível ( nos poemas "Deslumbramentos", "Frígida") da cidade mórbida e industrial ("O sentimento dum ocidental", "Num bairro moderno", ambos de influência baudelairiana); na correcção da subjectividade pelo distanciamento e a ironia (poema"Cristalizações"); na visão não convencional do campo, marcada pela experiência pessoal (poemas"Em petiz", "De Verão", "Nós", "De tarde").

Esta transmudação impressionista ou fantasista da realidade apoia-se num estilo inovador, precursor do Simbolismo, no qual, de entre muitos aspectos, salientaremos o uso da sinestesia, por exemplo nos versos seguintes:

Cheira-me a fogo, a sílex, a ferrugem;
Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura


Mas é igualmente interessante o uso que faz do advérbio ("Amareladamente, os cães parecem lobos"; "Um forjador maneja um malho, rubramente"), da hipálage ("Quando arregaça e ondula a preguiçosa saia"; "Um cheiro salutar e honesto a pão no forno"] e do assíndeto:

Vê-se a cidade, mercantil, contente:
Madeiras, águas, multidões, telhados!

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