terça-feira, outubro 10, 2006

Telemóveis e outros «modernismos»

Eu e o telemóvel temos algumas incompatibilidades. Não é que ache que se trate de um instrumento inútil, mas lá que anda sempre a intrometer-se na vida e nas conversas das pessoas, não anda longe disso, pelo menos no exemplo que a seguir se descreve.

Está uma pessoa a meio de uma conversa com outra, trrim, eu sei que agora já não é trrim, que ligam directamente aos cantos polifónicos dos monges de São Bento, mas pronto, faz de conta que é trrim, dá mais jeito agora, é mais curto, mais maneirinho, dizer apenas trrim, está?, fica a conversa a meio, as palavras ficam perdidas e depois já não há maneira de darem com o caminho, nem umas migalhinhas ficaram, como na história da Casinha de Chocolate, Hanzel und Gretel no original, que há que respeitar as origens das histórias e os direitos de autor, pelo menos quando convém.

Fico sempre irritado quando isto acontece, deixa-se uma pessoa de cara à banda, seja lá o que isto quer dizer, a olhar para a outra que está com o telemóvel pendurado da orelha, para brinco é um tudo-nada grande demais, mas enfim, da cara de parvo já não me livro, agora ponho-me a olhar para a parede ou para outro lado qualquer, e quando o tal de telefonema é dado por findo não há meio de retomar o fio à meada, o instante da conversa perdeu-se, mudou de casa, emigrou para o estrangeiro, não há nada a fazer, nem contratando um detective, desses que andam por aí a espiar as mulheres e os maridos e até fazem publicidade nos jornais, muito embora seja tudo ilegal, neste país ainda é uma actividade ilícita, e ainda bem, senão andava meio mundo a espiolhar a vida da outra metade, já chega de espiolhanço o que as novas tecnologias vieram trazer, vais aqui ou acolá, levantas dinheiro com o cartão e pimba, já te marcaram o rumo, traçam-te a vida toda pelos cartões, pela Via Verde, amarela, encarnada, por todas as cores e mais alguma, desta já não nos livramos.

Dizia eu que o telemóvel e eu temos algumas incompatibilidades. É verdade. Esqueço-me de o ligar dias a fio, semanas inteiras, não sou como aqueles que até de noite o deixam por ali à mão de semear, se bem que não sei o que vão semear durante a noite, só se forem sonhos, que esses semeamo-los todos os dias para ver se crescem, deixam-me recados e não os ouço, no outro dia até era uma coisa urgente, um encontro marcado, de trabalho, entenda-se, não liguei o telemóvel e fiquei para ali à espera, só ao fim de uma hora me lembrei de o ligar, lá estava a mensagem, não vou poder ir, senti-me mal hoje de manhã, vou à consulta e tudo, telefona-me para combinarmos outro dia. Já estava o caldo entornado, pronto, uma manhã para nada, agora tenho que ir fazer horas para qualquer lado até começar o trabalho, aproveito e vou às compras, vou, não vou, acabei por ir, sempre tiveram algum préstimo, afinal, aquelas horas de permeio, mas as horas de sono essas já ninguém mas devolve, devem achar que uma pessoa está sempre à espera que lhe telefonem, eu cá não, também não estou atrás da porta sempre que me tocam à campainha. Nisto os correios são especialistas, não atendes logo e zás, quando vais ver quem é já se puseram na alheta, eis mais outra expressão daquelas que despertam a curiosidade, afinal o que é a alheta, deve ficar tão escondida que nem se sabe onde é, senão ia lá ver se lá estava quem para lá foi. Depois fica o avisozito na caixa do correio, mais uma hora perdida na bicha do correio para levantar a encomenda, pagar o aviso, o que quer que seja que as pessoas se lembram de enviar pelo correio. Esta última frase está cheia de ques, é aquilo a que se chama uma cacofonia.